Artistas ou Cônjuges?
O que a Arte uniu a história não separa. Mais do que artistas, são os pais e avós que serão sempre lembrados.
Conte um conto, aumente um ponto, mas a verdade é que casais de artistas nunca serão do tipo de casal convencional. Serão sempre amantes da Arte, integrantes de um triângulo amoroso, indissolúvel. Tem perrengue, tem complicação, tem situação inusitada, mas tem muito amor também. Mesmo separados, as melhores histórias de um casal de artistas sempre serão aquelas contadas sobre quando estavam juntos.
Todo casal constrói uma vida (ou parte dela) juntos. Um casal de artistas compõe romances, vive dramaticamente e poeticamente, modelam um futuro e esculpem conquistas. Esse texto é uma homenagem a dois Artistas do Vale do Paraíba, que sempre serão lembrados como um casal de artistas e como meus avós.
Não sei por qual motivo encontro tantos textos que falam de Zé Demétrio e que não falam de Carolina Migotto e vice-versa. É como se ignorassem o fato de que suas artes se completavam mesmo que tão diferentes. É como se um não palpitasse no trabalho do outro.
Como ignorar a expressão artística de um casal que se expressava um com o outro diariamente? Suas artes são os registros de momentos de suas vidas. Contam sobre suas experiências, suas histórias, seus estudos, seus interesses, suas crenças…
Não existe Carolina Migotto sem Zé Demétrio, bem como não existe Zé Demétrio sem Carolina Migotto, assim como seus filhos e netos não existiriam sem eles.
O que a Arte uniu a história não separa
Essa é a história de Carolina Migotto e Zé Demétrio e das tantas versões que escutei, ambos contavam, que o amor que entrelaçou suas vidas e raízes, foi o amor pela arte.
Ele, artista plástico, escultor, poeta, inventor e com uma curiosidade insaciável sobre o universo das artes em geral. Zé Demétrio é um homem simples e ao mesmo tempo excêntrico, dono de crenças muito particulares e ideias bem originais. Veio do interior, e a partir do que aprendeu com o pai, ainda na infância, fez da arte seu sustento e descobriu nela seu primeiro e eterno amor. Com a cabeça sempre em processo de criação, “inventava pra cabeça”! Ele se metia em encrenca, mas tinha um “santo forte” e não foi santo, mas já que estamos falando de santos…
Ela, pintora, escultora, santeira e boa cozinheira. Carolina Migotto é daquelas mulheres fortes. Criada no campo, com sangue quente de italiana, aprendeu na lida que “cara feia é fome”. Dona Carolina, como também era conhecida, descobriu seus talentos artísticos com o incentivo de Zé Demétrio, que lhe apresentou o universo das artes, que até então estava presente no colorido dos pontos de tricôs ou crochês que compunham suas roupas de linho. A santeira Carolina também foi carinhosamente apelidada por nós de “Dona Cupim” já que vive entalhando madeira. Ela que iniciou na modelagem em argila, e que apresentou pinturas ingênuas e delicadas, mostrou-se dona de um pulso firme, em todos os sentidos. Esculpindo toras de madeira de todas as densidades, tinha uma fé e teimosia de grande intensidade.
Carolina Migotto e Zé Demétrio descobriram durante os anos como conviver, mas principalmente como criar. Como criar seus filhos, criar histórias, criar suas artes. Nem tudo foram flores, como em qualquer boa história de romance, mas tudo entre eles foi arte. Com gênios e opiniões fortes dignos de qualquer artista, tinham suas divergências e convergências. O espírito livre de um e o jeito metódico de outro se encontravam no trabalho e se desencontravam com a mesma facilidade em casa.
Mesmo com a separação, ninguém apaga a história de amor vivida artisticamente por esses dois. Foram artistas, mas também foram pai e mãe. Foram artistas, mas também foram avós. Foram artistas, mas também são parte da história artístico-cultural do Vale do Paraíba. Colecionavam amigos e conviveram e trocaram experiências com outros artistas como Renato Teixeira, Mestre Justino, Amácio Mazzaropi, Cândido Portinari, dentre tantos outros, além de seus próprios filhos que acabaram seguindo de alguma forma o caminho das artes.
Insisto em afirmar que “O que a Arte uniu a história não separa”, pois mesmo com a partida precoce do artista Zé Demétrio, em 25 de março de 2011, vi minha avó centenas de vezes recontar as histórias vividas com meu avô.
Vi minha avó, Dona Carolina, a “Carol” do Zé Demétrio, falando do “Véio”, meu avô, como se ele nunca tivesse partido e como se a qualquer momento ele pudesse estar de volta. Presenciei a forma de amor mais sincera e inexplicável, no último beijo que minha avó deu no meu avô, (a cena mais shakespeariana que já vi na vida, coisa que não imaginei existir, e que nunca vou esquecer). A Arte está em todos os lugares.
Podem mudar a história, contar de outras formas, mas a arte uniu esses dois artistas e seres humanos, e nada separa. Dona Carolina, a artista, deixou esse mundo recentemente. Disse até logo à minha avó em 01 de agosto de 2018. E claro, como boa artista, ela não poderia ter feito uma saída de cena mais dramática, não teria sido diferente…
Aprendemos durante toda a nossa vida a ser sensíveis de um jeito forte. Entendendo e sentindo a Arte, vivendo intensamente e de forma criativa. Tentando aliviar a realidade com a imaginação, contando a verdade de uma forma diferente e capaz de causar reflexão, mudança ou revolução. Aprendemos a ver as coisas sob outras perspectivas e olhares, e aprendemos a sorrir quando todo mundo está triste, porque somos capazes de colorir a vida das pessoas.
Herdei o gene, herdei ideias e principalmente herdei histórias vividas e contadas por eles e com eles. A visão de neta desses artistas não substitui a visão dos filhos e dos outros netos. A história que aqui conto, pode ter menos ou mais um ponto. É fato que existem muitas histórias para um mesmo fato, e muitos fatos que não foram contados nessa história. É fato que, quanto artistas, Zé Demétrio e Carolina Migotto contribuíram muito para a nossa cultura.
Só tenho a agradecer por tudo que meus avós me deixaram. As boas lembranças, os bons ensinamentos, o carinho infinito, as tradições e costumes, as formas de ver o mundo, e tantas outras coisas. Meus avós não estão no céu, estão no meu coração e pensamento. E sabem que continuam vivos em cada obra de arte produzida e espalhada pelas cidades, que não nos deixam esquecer dos nossos mais amorosos sentimentos por vocês.
Zé Demétrio e Carolina Migotto, laços de amor e arte que o tempo e a história não apagam. Sou apenas parte dessa obra chamada vida, que vocês deram início.
Valeska Migotto
Estudante de Jornalismo e antes de tudo, saudosa Neta
*In memoriam de Zé Demétrio e Carolina Migotto
(Artistas expressivos de Taubaté-SP e Região do Vale do Paraíba)