• Rogério Miguez – São José dos Campos/SP
Depois disto, que nos resta a dizer? Se Deus está conosco, quem estará contra nós?1
Romanos 8:31
Em uma possível interpretação deste ensino, podemos concluir ser de longa data a preocupação do ser humano sobre seus possíveis inimigos ou desafetos. Cremos que a consciência de culpa gerada pela multidão de pecados perpetrados, alguns ainda não revelados e reparados, poderia criar as condições necessárias para o aparecimento desta apreensão, sempre rondando as mentes devedoras.
Por outro lado, destacando ainda o ensino de Paulo sob outro ângulo, embora a pergunta use o pronome quem, sugerindo uma pessoa, outra forma de entendê-lo é o reconhecimento da existência de inúmeros percalços sucedendo-se durante a jornada física, aparentemente trabalhando contra nós, tais como: reveses financeiros, contrariedades afetivas, amizades desfeitas, desilusões amorosas, doenças inesperadas, “perda” de entes queridos.
Existem também as angústias criadas pela imprensa alarmista, muitas vezes polarizada por privilegiarem notícias referentes apenas a desgraças e agruras, esquecendo-se quase sempre das nobres realizações e bons exemplos existentes. Alardeiam-se prováveis conflitos nucleares, ameaças terroristas de toda ordem, sequestros relâmpagos, meteoros “assassinos” se aproximando perigosamente da Terra, futuros desastres coletivos causados por condições climáticas extremas e adversas, catástrofes naturais, bruscas oscilações do mercado financeiro… Ou seja, anunciadas e inesperadas desgraças não faltam; todas podem igualmente trabalhar contra a nossa paz.
Além disso, como se não bastasse, perturbamo-nos por variados temores, desconhecidos, sem sentido e nenhuma razão plausível, incompreensíveis. Talvez a mesma consciência culpada seja fonte destes receios, ou, quem sabe, alguma influenciação ardilosa de um Espírito desencarnado, provisoriamente desorientado e abatido com a sua situação espiritual, ou mesmo de um encarnado visando a nos prejudicar.
Como resultado, o ser humano aturdido por tamanha gama de fobias e ansiedades, ignorando como proceder, fecha-se em sua casa, instala alarmes e câmeras modernas, sofisticadas fechaduras eletrônicas, cercas eletrificadas, contrata serviço de segurança privada via telefone, tudo para resguardar-se de possíveis ameaças, tendo ele mesmo, em muitos casos, dificuldade em definir especificamente quais seriam. Esquece-se de que existem ameaças imateriais mais contundentes e perigosas.
Tempos estranhos!
Mas, afinal, por quais razões nos afligimos tanto, imaginando opositores de toda ordem? Pela perda dos bens materiais, da própria vida, medo da dor física proveniente de um corpo doente, ou mesmo da dor moral provocada pela solidão?
Todas estas vicissitudes anteriormente citadas são características de mundos pouco evoluídos como ainda é o caso do nosso. Se por aqui ainda mourejamos é porque necessitamos destes contratempos, de modo a dar testemunhos de nossa fé em Deus e em sua justiça perfeita. Caso contrário, passaremos pela Mãe Terra escondidos em nossas residências, tal qual fazíamos no passado, quando ocupávamos, temerosos, furnas e cavernas, sem nos atrevermos a enfrentar os supostos perigos do mundo. Contudo, é bom entender e principalmente admitir, no “pior caso”, do nosso ponto de vista, o maior prejuízo que qualquer deles poderia nos causar seria o de colocar-nos diante da tão temida e indesejada morte.
Mas quem tem medo de morrer? Tudo indica que todos nós, pois ainda não aceitamos só existir vida, e como disse Jesus, vida em abundância. Esta é a verdadeira lei divina. Tudo se transforma, não há destruição de absolutamente nada, apenas de nossas ilusões, quando, deslumbrados pelos atraentes apelos materiais, somos levados a cultuar este ou aquele bem, esta ou aquela forma física, para mais tarde compreender que tudo é passageiro, inclusive e principalmente os nossos devaneios.
Dar testemunhos de compreensão dos desígnios divinos quando tudo está correndo bem é o primeiro passo em nossa marcha evolutiva. Contudo, aceitar a vida tal qual é, sem reclamos, queixumes, rebeldia, tristeza e desgosto diante das contrariedades oriundas muita vez de nossos anseios pueris, é um desafio maior. Estes últimos testemunhos nos fortalecem e nos preparam para o enfrentamento das adversidades superiores, às quais estamos todos destinados a enfrentar.
Entretanto, diante de tantos supostos perigos, há um em especial cujo traço insinuante nos traz de fato preocupação. Não é uma quimera, uma abstração, fruto de propaganda alarmista, pois é imaterial: as nossas muitas personalidades. Este é o grande “inimigo” oculto, o adversário cruel que pode levar-nos mais uma vez ao fracasso em nossa nova existência.
Este “inimigo” é a resultante dos vícios e tendências negativas forjados em inúmeras existências passadas, quando, não aproveitando as oportunidades regularmente oferecidas pela vida, deixando escapar ou escondendo os talentos colocados em nossas mãos pela Divindade, construímos, em consequência, traços de personalidade agora difíceis de ser superados ou mesmo controlados.
A luta é árdua, pois este “inimigo” é poderoso, supera todos os outros juntos!
Entretanto, nada é impossível ao que não apenas crê, pois, mais do que apenas fé, sabe, tem consciência de poder enfrentar a razão face a face, sob qualquer situação inusitada.
Não temamos os entraves da vida. Não emprestemos valor indevido aos passageiros infortúnios da caminhada, sejam quais forem. Não sejamos intimidados por situações já esperadas e comuns no variado rol de nossas provas e expiações.
Caminhemos intimoratos, rumo ao amanhecer que a todos aguarda, jamais nos imaginemos perdidos na noite escura das dúvidas e incertezas, pois, se Deus está conosco, quem estará contra nós?
1 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Trad. Gilberto da Silva Gorgulho et al. 8. imp. São Paulo: Paulus Editora, 2012.
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dez 13, 2019Bruno FonsecaColuna Espírita (Agê)Comentários desativados em ApreensõesLike