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sexta-feira 8 novembro 2024
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A soltura de Temer e o abuso de autoridade

Em uma decisão arrojada e corajosa, contrariando o sentimento popular, o desembargador Antônio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, deferiu pedido de liminar para soltar o ex-presidente Michel Temer e mais seis alvos da Operação Descontaminação.
O eminente desembargador, ao longo das vinte e uma laudas da decisão, trouxe com precisão a desnecessidade e a inadequação do decreto prisional do ex-Presidente e dos demais envolvidos. Quando examinou a fundamentação da preventiva exarada pelo juiz federal Marcelo Brettas, consignou com tintas fortes que não estavam presentes quaisquer dos pressupostos legais para a decretação, senão vejamos: “Todavia, mesmo que se admita existirem indícios que podem incriminar os envolvidos, não servem para justificar prisão preventiva, no caso, eis que, além de serem antigos, não está demonstrado que os pacientes atentam contra a ordem pública, que estariam ocultando provas, que estariam embaraçando, ou tentando embaraçar eventual, e até agora inexistente instrução criminal, eis que nem ação penal há, sendo absolutamente contrária às normas legais prisão antecipatória de possível pena, inexistente em nosso ordenamento, característica que tem, e inescondível, o decreto impugnado”.
Conforme se extrai da decisão, o douto desembargador, com correção, verifica a ausência de contemporaneidade do risco de deixar ou envolvidos em liberdade, bem como assevera que não os investigados não atentaram contra a ordem pública, não ocultaram ou destruíram provas, que ensejassem a tentativa de obstruir as investigações preliminares.
Depreende-se do excerto da decisão a fundamentação no sentido da ausência dos pressupostos para a prisão: “Não há na decisão, como se vê até aqui, qualquer justificativa prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal, para segregação preventiva dos pacientes.
Tem-se fatos antigos, possivelmente ilícitos, mas nenhuma evidência de reiteração criminosa posterior a 2016, ou qualquer outro fator que justifique prisão preventiva, sendo que os fatos em análise envolvem a Eletronuclear, cuja ação penal principal já este sentenciada, ora tramitando neste Tribunal, em face de apelação das partes”.

Ademais a ausência de contemporaneidade foi destacada com brilhantismo pelo desembargador Athié, in verbis: “Tem-se na decisão, na sequência, transcrição de mais um trecho do depoimento do colaborador já referido, no qual relatou que Lima cobrava para que pressionasse Moreira Franco “no sentido de encontrar uma solução adequada para conseguirem os recursos que LIMA havia solicitado”, isso em 2014, e referindo-se que era para ajudar o PMDB, e mais adiante transcrição de depoimento de gestor de pessoa jurídica confirmando duas entregas de valores ao “Coronel Lima”, por meio da PDA Projeto e Direção Arquitetônica, sem qualquer contraprestação real entre as empresas, “nos valores de R$469.250,00, em 17/10/2014 e R$ 622.225,50 em 03/11/2014, ambos para a PDA PROJETO E DIREÇÃO ARQUITETÔNICA”. Se houve ou não entrega desses valores ilicitamente, é fato que tem de ser esquadrinhado em regular ação penal, e o que interessa, neste momento, é a data em que ocorreram e, segundo o citado depoimento, em 17/10/2014 e 03/11/2014. A jurisprudência tem afirmado que não cabe prisão preventiva por fatos antigos, como se verá mais adiante.”.

Para a regular decretação da prisão preventiva há que estar presente os requisitos positivos e os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, combinado com o artigo 282 do mesmo Estatuto.

Os requisitos positivos para a decretação da preventiva são a prova da existência do crime e o indício de autoria. Seria leviano apontar que não estão presentes tais requisitos cumulativos e obrigatório na espécie, uma vez que o inquérito corre em segredo de justiça, o que impossibilita o acesso aos pleno aos fatos. Assim, vale partir do pressuposto que há prova da materialidade e indícios suficientes de autoria dos envolvidos.

Todavia, não bastam apenas a presença dos requisitos positivos para a decretação, sob pena de qualquer investigação, em que haja tais elementos, possam ensejar a constrição cautelar. Há que estar presente um dos quatro pressupostos legais, quais sejam: garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; por conveniência da instrução criminal e para assegurar à aplicação da lei penal.

Hodiernamente, a boa doutrina assevera que incidirá a hipótese da “garantia da ordem pública” e da “ordem econômica” apenas quando estiver presente o risco concreto de reincidência da pratica delitiva pelo investigado ou réu. Algumas decisões, equivocadamente, tem se valido da “comoção popular”, “credibilidade da justiça”, “repercussão na mídia”, para a configuração do pressuposto, uma aberração para dizer o menos. Um magistrado que determina a privação cautelar da liberdade de qualquer cidadão pautado nessas circunstância não honra a toga que vestem.

No tocante a conveniência da instrução criminal, busca evitar que o investigado ou acusado solto embarace a busca dos elementos probatórios ou que destruam provas do crime a eles imputados. Tal como no pressuposto anterior há que existir evidências reais de que em liberdade a apuração dos fatos estaria comprometida.

Por fim, a decretação da preventiva para assegurar a aplicação da lei penal é possível quando há inequívoco risco de fuga do investigado ou do réu para não ser preso. As hipóteses mais comuns na incidência desse pressuposto ocorrem quando o acusado esta dilapidando seus bens, ao mesmo tempo que procura obter passaporte e comprar passagem aérea para o exterior.

Na hipótese envolvendo a prisão do ex-presidente e dos demais envolvidos não estão presentes nenhum dos pressupostos legais. Não há notícias de risco contemporâneo a ordem pública e a ordem econômica, bem como não há qualquer evidência de que soltos prejudicariam a instrução criminal, com, por exemplo, a destruição de provas, e também, não há o menor sinal de que planejam fugir do país.

Dessa forma, a decisão restaura a legalidade, uma vez que as prisões foram totalmente desnecessárias e inadequadas, o que fere o disposto no artigo 282, incisos I e II, do Código de Processo Penal. Mas uma pergunta há que ser feita: Quem responderá por este abuso inequívoco de autoridade cometido pelo juiz federal Marcelo Bretas?

*Marcelo Aith é especialista em Direito Criminal e Direito Público e professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito.